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Saturday, October 14, 2006

A história da pétala que não queria ser pedra


- Avô? Porque é que as pedras não são vivas?
- Porque há muito tempo só havia pedras sabes? E terra e montes sem
flores nem erva nem nada. Era tudo seco e depois começou a chover e
nasceram os mares e os lagos e os rios. E de repente, ninguém sabe bem porquê,
começou a haver vida.
- E como é que começou vôvô?
- Começou com uma coisa muito pequenina, quase como um pétala mas
muito mais pequenina e essa coisa era viva porque não estava parada como as
outras coisas e queria crescer e mudar de sítio, e de cor e também... Não queria
estar só e então dividiu-se em duas partes mais pequeninas e cresceram as duas
e depois cresceram mais doutras cores e eram arrastadas pela água e iam para
outros sítios e algumas acabaram por vir para a terra e nasceram flores e os
filhos dessa “pétala” começaram a mudar de formas e como queria tanto mexer-se
e não ficar parada como as pedras também se transformou em animais que voam e que
nadam e que andam como nós e hoje somos todos filhos dessa “pétala” pequenina.
- Porquê?
Porque assim é muito mais bonito, com muitas cores e com os pássaros a
cantar e as pessoas a irem todas de um lado p’ró outro e poderem ver essas
cores e ouvir esses pássaros e poderem contar aos outros que não viram e ouvir
as coisas que os outros têem para contar... e comer...provar pratos deliciosos e
bolos. É como se fosse uma festa com muitos convidados.
- E quem é que fez a vida?
- Não se sabe bem quem ou o quê ou se foi “por acaso”. Mas por acaso
não deve ter sido que eu também conheci a tua avó “por acaso” e essas coisas
não acontecem “por acaso”...
- Que coisas avô?
- Milagres filho,... milagres...
- E o que é um milagre?
- Um milagre é uma coisa tão linda e tão incrível que toda a gente, ou
quase toda a gente, pensa que não é possível e de vez em quando, quando acontece,
muitos dizem que foi “por acaso”. Outros dizem disparates e tentam explicar o “acaso” e aqueles que o vivem só sabem é que “por acaso é que não foi.
- E quando conheceste a vóvó foi um milagre?
- Foi... foi o maior milagre igual ao da vida...
- Qual?
- O milagre do amor. Muitos dizem que só acontece “por acaso”, outros chamam amor a “por acasos” falsos.
- E como é que se sabe que é falso?



- Não é fácil, mas lá no fundo sabemos, mas não te preocupes porque quando é verdadeiro temos a certeza!
- E como é que tiveste a certeza?
- Eu vinha a descer a rua e caí.
- Hihihi
- Tás-te a rir? Olha que foi o melhor bate-cu da minha vida.
- Hihihi caíste de cu hihihihi
- Caí... vinha a descer a rua onde a tua mãe trabalha agora (lembro-me
sempre que te levo lá no fim do colégio)... Escorreguei numa porcaria qualquer e
saltaram-me os pés p’rá frente e PUM!
- Hihi e depois?
- Depois vi uma rapariga linda a sorrir enquanto me apanhava a mala
(era uma mala antiga que eu tinha, de couro, agora já não se faz disso). Ela esperou que
eu me levantasse e deu-me a mala. E foi ali... aconteceu o milagre...eu olhei p’ra ela e
ela olhou p’ra mim e foi ali que todos os milésimos de segundo começaram a contar... as nossas mãos tocaram-se quando ela me entregou a mala, parecia como se me tivessem dado um choque cá dentro e em vez de ficar tonto fiquei muito calmo... meu deus! Que calmo...e isto tudo demorou só um bocadinho assim – disse o avô enquanto estalava o dedo – e eu segurei na mala e disse-lhe, ela ainda estava a sorrir, e eu disse-lhe:
“- Se quizeres encarrego-me de manter esse sorriso o resto das nossas vidas. “
Nunca ninguém me tinha inspirado tanto e era verdade! Eu queria, eu queria muito e só sei que era a única coisa que eu queria e que nunca tinha tido tanta certeza na minha vida. Ela sorriu outra vez e disse:
“ - Prometes? “ E não é que eu disse: “- Prometo. “ E todo feliz pela graça daquela “aparição” convidei-a para tomar qualquer coisa e ela aceitou. ... Santo Tombo!...
- E a vóvó também sentiu o milagre?
- Claro! No milagre do amor têem de ser as duas pessoas a sentir.
- E depois?
- Depois é tudo diferente, desde que se esteja junto pode-se viver numa barraca ou num casarão, pode-se viajar ou ficar parado no mesmo sítio durante anos. O que interessa é que se está junto e... não te sei dizer bem mas parece que uma pessoa sente que percebe o milagre da vida...
- E como é que se sente?
- Com o coração.
- E sente-se uma pétala?
- Sente-se que o “por acaso” está certo.
Entretanto a mãe chega a casa do super-mercado.
- O que é que o vôvô está a contar ao meu menino? É uma história é? Tu gostas que o vôvô conte história gostas?
- Gosto.
- E que história é que o vôvô contou? Conta a mim.
- É a história da pétala que não queria ser pedra!


- A quê?! Oh pai!... Estás a confundir o menino com essas histórias. Conta-lhe histórias... olha conta-lhe as histórias que o teu avô te contava.
- Estava só a entreter o miúdo...
- Está bem pai mas entretem-o com...olha, por exemplo com a história do capuchinho vermelho.
- Ele tem tempo pra ouvir essa, agora esta é que quanto mais tarde ele aprender
pior é.
- Tá bem tá... tu já não tens é remédio.

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